Processo SEI nº 6068.2024/0013430-2
INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova - Constrições na matrícula.
Informação n° 599/2025-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Coordenadoria Geral do Consultivo
Senhora Coordenadora Geral
Trata-se de consulta formulada pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) quanto à possibilidade jurídica de ser dado andamento ao processo de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova, em que consta pedido de demolição total da edificação existente no lote e sobre a qual recaem constrições e restrições na matrícula.
O imóvel edificado possui 37 proprietários, com frações ideais distintas, bem como:
• 24 registros de indisponibilidade de bens;
• 1 averbação de penhora;
• 2 arrolamentos.
Pronunciando-se a respeito, a SMUL/ATAJ emitiu o parecer doc. SEI 116405083, apontando "relevante controvérsia jurídica" sobre a questão. Por um lado, a demolição do imóvel caracterizaria um ato de disposição do patrimônio, de modo que, em razão das restrições na matrícula relacionadas à indisponibilidade e à penhora, remanesceria a impossibilidade da concessão do Alvará de Aprovação e Execução quanto à demolição[1]. Por outro, a existência dos gravames na matrícula do imóvel não constitui óbice ao deferimento do alvará, ainda que implique demolição, considerando, entre outros argumentos, que não há previsão legal, dentre os requisitos taxativos da licença edilícia, relacionada à ausência de gravame presente na matrícula.
A Assessoria Jurídica cita o precedente vertido na Informação n. 1.435/2010-PGM.AJC (doc. SEI 117118662), a qual, conquanto tenha analisado a possibilidade de expedição alvará em relação a imóvel com restrições contidas na matrícula, não se debruçou especificamente quanto à viabilidade de demolição total do bem.
Diante da divergência apresentada, embora sem apontar o posicionamento conclusivo a respeito, SMUL/AJ eleva a dúvida a esta Procuradoria Geral do Município.
É o relatório.
A tramitação do pedido de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova é feita no processo SEI 1020.2024/0010306-1, com desdobramento no presente SEI, em razão da dúvida jurídica oriunda da Divisão de Uso Residencial Horizontal (RESID/DRH) da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (doc. SEI 116097933). SMUL/RESID/DRH aponta "manifestação anterior da ATAJ, referente a consulta quanto a possibilidade de emissão de alvará para lotes com penhora descrita em matrícula", no sentido de que "seria possível a emissão do documento desde que não houvesse decréscimo de área, mantidos os direitos do proprietário, inclusive os direitos de uso e fruição, com a possibilidade de obtenção do alvará de aprovação e execução".
Posta a se pronunciar sobre o caso em comento, SMUL/ATAJ expediu o parecer SEI n. 116405083, expondo os dois entendimentos envolvendo a questão controversa, sem, contudo, se posicionar ou citar qualquer precedente jurídico da Pasta.
Preliminarmente, convém consignar que, embora a matrícula do imóvel aponte a existência de três tipos de constrições - indisponibilidade de bens, penhora e arrolamento fiscal -, a "controvérsia jurídica" que ensejou a presente consulta concentra-se, fundamentalmente, nas duas primeiras. Isso se justifica porque tanto a indisponibilidade quanto a penhora são ordens judiciais que atingem diretamente o poder de disposição do patrimônio, alimentando a tese, ainda que equivocada, de que a demolição seria um ato vedado por tais gravames. O arrolamento de bens perante a Receita Federal, por sua vez, representa uma restrição consideravelmente mais tênue, consistindo em um mecanismo de acompanhamento patrimonial do devedor tributário que, em si, não impede a alteração física ou mesmo a alienação do bem, impondo, em regra, apenas um dever de comunicação ao órgão fiscal. Dessa forma, é a força das constrições de origem judicial que, de fato, confere complexidade à questão e justifica a análise por esta Procuradoria Geral do Município.
Sob qualquer ângulo que se analise a questão objeto da consulta, não se vislumbram razões que impeçam juridicamente o andamento (e eventual deferimento) do pedido de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova, em que consta pretensão de demolição total das edificações existentes nos lotes sobre os quais incidem constrições judiciais e arrolamentos oriundos da Receita Federal.
O fundamento encontra-se tanto na legalidade estrita adstrita ao regime das licenças edilícias quanto na própria teleologia associada a tal instrumento.
Os alvarás construtivos - tradicionalmente inseridos na categoria dos atos vinculados -detém uma disciplina legal rígida, cujos requisitos para análise e expedição estão, como regra, emoldurados de modo preciso na norma, sem que haja carga discricionária a ser exercida pela Administração. O que existe é o exercício de uma competência vinculada associada à apreciação do pedido à luz das circunstâncias que balizam a edição do respectivo ato administrativo.
Sob este prisma, não se identificam exigências legais, expressas ou mesmo implícitas, relativas a ônus ou restrições incidentes sobre o imóvel objeto do licenciamento, notadamente diante dos contornos da Lei n. 16.642/2017 (Código de Obras e Edificações do Município de São Paulo) e de seu regulamento (Decreto n. 57.776/2017).
Pelo contrário, a normativa a respeito desvincula o ato de controle da atividade edilícia da análise de qualquer gravame ou restrição que recaia sobre o bem. É o que se extrai, por exemplo, do art. 6°, parágrafo único, inciso II, do Decreto n. 57.776/2017, in verbis (destaque nosso):
Art. 6° A Prefeitura emitirá o documento de controle da atividade edilícia em nome do proprietário ou do possuidor para o imóvel descrito e caracterizado na matrícula ou, quando for o caso, na transcrição do Cartório de Registro de Imóveis, após verificar que o pedido e o respectivo projeto atendem às disposições do PDE, LPUOS, LOE e legislação correlata.
Parágrafo único. Do documento emitido deverão constar, no mínimo, as seguintes notas:
I - o licenciamento de projetos, de obras e instalação de equipamentos não implica no reconhecimento, pela Prefeitura, do direito de propriedade ou de posse sobre o imóvel;
II - o titular do documento de atividade edilícia, na qualidade de proprietário ou de possuidor do imóvel, responde perante terceiros a respeito da propriedade, posse, direitos reais, garantias e outros eventuais ônus que incidam sobre o imóvel
No que tange à teleologia associada às licenças edilícias, igualmente não se extraem razões que impeçam a expedição de alvará de imóvel que contemple a demolição de edificações.
Conforme as lições clássicas de Hely Lopes Meirelles, a regulação do direito de construir detém liame com um "duplo controle - urbanística e estrutural", ou seja, assume o escopo de "garantir a estrutura e a forma da edificação e de harmonizá-la no agregado urbano, para maior funcionalidade, segurança, conforto e estética da cidade"[2]. A propósito, "ao Município só incumbem a legislação e o controle dos aspectos técnicos, estruturais e urbanísticos das construções (...), não lhe competindo editar normas ou fazer imposições de natureza civil ou imobiliária, privativa da União, ou invadir competências do Estado e de órgãos federais, com exigências ou impugnações sobre a propriedade e suas mutações dominiais ou possessórias"[3].
Perceba-se que o poder de polícia das construções, embora incida sobre o direito de propriedade, não se espraia sobre todos os seus aspectos, abarcando apenas alguns de seus contornos. Assim, a expedição de uma licença edilícia não pode ser antecedida de um escrutínio sobre todas as questões dominiais relacionadas ao imóvel objeto de licenciamento, especialmente eventuais ônus e restrições que lhe atinjam.
Nesse sentido, "o exame da regularidade dominial ou possessória não compete à Prefeitura"[4], de modo que se impõe como ilegais "as exigências e impugnações que certas Prefeituras costumam sobre a propriedade e transferências dos terrenos, quando só lhes incumbe examinar o projeto de construção ou o plano de loteamento, para dizer da sua regularidade técnica e urbanística em face das normas legais aplicáveis e das restrições específicas da área"[5].
Vale reforçar a necessidade de uma distinção entre, de um lado, a esfera de competência do controle edilício municipal e, de outro, a tutela de interesses creditícios de ordem privada. As constrições que recaem sobre o imóvel, mesmo as de origem judicial, são institutos de natureza processual cuja finalidade é restringir o poder de disposição jurídica do bem, principalmente sua alienação a terceiros. O objetivo é assegurar que o patrimônio do devedor permaneça como garantia para a satisfação de um crédito, impedindo sua dilapidação por meio de atos de transferência de domínio.
Ocorre que o ato de demolir não implica, evidentemente, a alienação do bem. A demolição é uma alteração física na substância da coisa, a qual, embora possa impactar seu valor econômico, não altera a respectiva titularidade. O imóvel permanece no acervo patrimonial de seus proprietários. A demolição, nesse contexto, insere-se no âmbito do direito de uso e de transformação do bem e não um ato de esvaziamento da garantia, como seria uma venda ou doação.
Assim, condicionar a expedição do alvará à ausência de ônus representaria uma indevida assunção, pela Administração Municipal, da função de guardiã dos interesses dos credores privados. Compete aos credores, no âmbito dos processos judiciais em que as constrições foram determinadas, valer-se dos instrumentos processuais adequados para proteger seus interesses frente a uma eventual desvalorização do bem, não cabendo à Prefeitura exercer um juízo de valor sobre a conveniência da demolição para a garantia de créditos privados. Tal atuação extrapolaria a competência municipal, que se cinge, repita-se, ao controle técnico, estrutural e urbanístico das construções.
Como argumento ancilar, deve-se reconhecer que, mesmo que as edificações venham a ser demolidas, as restrições permanecem íntegras sobre o terreno. Portanto, ainda que a construção deixe de existir, subsiste o objeto principal - o lote de terreno - com potencial valor econômico suficiente para assegurar a satisfação dos credores. A propósito, o projeto que se inicia com a demolição pode resultar em um empreendimento de valor superior ao das edificações existentes, significando que a garantia dos credores pode, ao final do processo, sofrer incremento, e não decréscimo. A imobilização do imóvel em seu estado atual pode, na verdade, perpetuar a desvalorização do ativo que garante a dívida.
Diante do exposto, conclui-se que as restrições que recaem sobre o imóvel (penhora, indisponibilidades e arrolamentos) não se prestam a obstar a análise e eventual deferimento do pedido de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova.
À consideração superior.
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São Paulo, 12/06/2025
RODRIGO BORDALO RODRIGUES
Procurador do Município Assessor - AJC
OAB/SP 183.508
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De acordo.
São Paulo, 12/06/2025
JOSÉ FERNANDO FERREIRA BREGA
Procurador Assessor Chefe - AJC
OAB/SP 173.027
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[1] SMUL/ATAJ elenca duas exceções: (i) pedido fundamentado em risco de segurança que o imóvel representa ou (ii) concordância do credor em favor de quem se garantiu o imóvel.
[2] Direito de construir, 6.ed., 1994, p. 156.
[3] Ob. cit., p. 161.
[4] Ob. cit., p. 161.
[5] Ob. cit., p. 161.
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Processo SEI nº 6068.2024/0013430-2
INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova - Constrições na matrícula.
Cont. da Informação n° 599/2025-PGM.AJC
PROCURADORIA GERAL DO MUNICÍPIO
Senhora Procuradora Geral
Encaminho o presente com a manifestação da Assessoria Jurídico-Consultiva desta Coordenadoria Geral, que acolho, propondo a remessa para a Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento.
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São Paulo, 12/06/2025
TICIANA NASCIMENTO DE SOUZA SALGADO
Procuradora Coordenadora Geral do Consultivo - CGC
OAB/SP n° 175.186
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Processo SEI nº 6068.2024/0013430-2
INTERESSADA: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
ASSUNTO: Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova - Constrições na matrícula.
Cont. da Informação n° 599/2025-PGM.AJC
SMUL
Senhor Chefe da Assessoria Jurídica
Nos termos do encaminhamento promovido no doc. SEI 116405083, encaminho com a manifestação da Coordenadoria Geral do Consultivo, que acolho integralmente, no sentido de que as restrições que recaem sobre o imóvel (penhora, indisponibilidades e arrolamentos) não se prestam a obstar a análise e eventual deferimento do pedido de Alvará de Aprovação e Execução de Edificação Nova.
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São Paulo, 11/06/2025
LUCIANA SANT'ANA NARDI
Procuradora Geral do Município
OAB/SP n. 173.307
Este texto não substitui o original publicado no Diário Oficial da Cidade de São Paulo